segunda, 29 Abr , 2024
evidencia

Estar com a saúde boa é uma das coisas mais importantes na vida, não é?

há 1 ano

E quando a gente fica doente e não existe remédio desenvolvido para a doença, como aconteceu em 2019, na pandemia do COVID-19? Bateu uma certa angústia de pensar que não havia tratamento ou vacina naquele momento, vamos confessar! E você sabe por que demora tanto para criarmos medicações novas? Vou contar um pouquinho para vocês, pois este é meu dia a dia a mais de 22 anos.

Bem, para que um medicamento esteja liberado para uso com toda segurança e eficiência, existem diversos passos. Hoje, quase todos os novos medicamentos são modelados do zero, a partir de dados colhidos de como o nosso corpo ou a doença funcionam. O campo que trata dessa parte é a Química Medicinal, que usa a modelagem molecular (ou seja, criação de moléculas no computador) para o planejamento racional de fármacos.

A ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, é quem regula e controla o que pode ou não ser comercializado em termos de medicamentos e vacinas. É preciso que eles sejam seguros e eficazes, dentre vários outros pré-requisitos. Para determinar tudo isso, são feitas extensivas pesquisas para que não haja nenhuma dúvida de como é a ação da molécula no organismo, passando por diversas fases, que podem ser resumidas em duas: as fases pré-clínica e clínica. Eu tenho muitos colegas de faculdade que trabalham na ANVISA, é um órgão super sério, pode acreditar!

Na fase pré-clínica, são utilizados modelos de computador, culturas de células, órgãos isolados ou até pequenos animais para determinar se a molécula se comporta como esperado e quais são as doses corretas para que sejam feitos testes em humanos. É analisado se o potencial terapêutico previsto realmente é alcançado, e se não há efeitos colaterais ou toxicidades muito grandes. São necessárias aprovações de comissões éticas e técnicas, que regulamentam as pesquisas para que sempre se atendam os padrões de bioética. São muitos cientistas no mundo todo que revisam esses protocolos de pesquisa, ao mesmo tempo, para que se tenha certeza da segurança e verdade dos dados.

Uma vez seguros e com a dose estabelecida, passamos pra fase clínica, em que são feitos os testes em humanos em diversos hospitais pelo mundo . Essa fase é dividida ainda em fases diferentes, em que há um aumento gradual do número de participantes uma mudança no perfil entre doentes e saudáveis, diversas idades etc. Todas as pessoas que participam dessas pesquisas têm que ser voluntários, ou seja, ninguém dinheiro recebe para participar de uma pesquisa. É pelo bem da ciência e na verdade, pela humanidade mesmo. Entretanto, para cada molécula pesquisada, a indústria farmacêutica gasta com exames, transporte e os médicos, aproximadamente US$ 1 bilhão.

Se a nova substância é aprovada em todos os testes destas fases anteriores, ela está pronta para ir para o mercado. Parece simples, mas esses estudos demoram de 2 a 8 anos, cada um. Isso significa anos de investimento e dedicação de um monte de cientistas para analisar cada dado coletado e resolver cada problema que surge no caminho. Foi o que aconteceu com a vacina para o COVID-19. Como ainda não havia uma vacina, tivemos que começar do zero, conhecendo como o vírus se multiplicava e criando primeiro em computador uma molécula que atrapalhasse algum ponto da sua reprodução. Depois, foi preciso inventar essa molécula de verdade, ou seja, sair do computador e colocar dentro de um frasco, através de muitos testes de síntese farmacêutica.

Com a vacina criada, primeiro se testou a segurança da molécula em roedores e pequenos mamíferos. Com a confirmação de dose e segurança, precisou-se criar uma fábrica para produzir a molécula em larga escala, para iniciar os testes em humanos. Depois, aproximadamente 280.000 voluntários de 34 países diferentes, incluindo brasileiros, receberam a vacina ou o placebo dela (só soro fisiológico 0,9%). Foi preciso acompanhar esses pacientes por pelo menos 3 meses cada um. Ou seja, um estudo de vacinas normalmente leva 18 meses porque os voluntários são incluídos ao longo do tempo e não todos no mesmo dia. Cada paciente gerou um monte de dados vindos de exames e avaliações clínicas de eventos adversos e eficácia contra o SAR-COV-19 (nome do vírus). Todos esses dados foram analisados por vários cientistas no mundo todo, inclusive essa cientista aqui de Rio Pardo, que escreve para vocês! Com o nosso ok para os dados, foram precisos muitos engenheiros e bioquímicos para produzir a vacina para os 15 bilhões de doses necessárias no mundo. Sabia que somente as empresas Pfizer/BioNTech, Moderna, Janssen/Johnson & Johnson e AstraZeneca investiram juntas aproximadamente US$ 42 bilhões somente na vacina? Como qualquer empresa, o custo do produto serve, em parte, para recuperar o investimento ou financiar pesquisas futuras.

Pode ser que existam mais de um “tipo” de causador de cada doença, já que seres vivos sofrem mutações a cada ciclo de vida. É por isso (e outros motivos) que não há ainda uma vacina contra a dengue ou o HIV : não conseguiram formular uma maneira de nos imunizar contra todos os tipos de vírus causadores. É por isso, também, que as vacinações contra a gripe e agora, o SARS-COV-2 serão feitas todos os anos, já que há sempre uma variedade nova de vírus. Ainda assim, se vacinar sempre é importante, para sua saúde e dos que estão ao seu redor. E respeitar esses processos de pesquisa, que infelizmente podem ser longos e demorados são o que fazem com que possamos confiar nas substâncias que estamos ingerindo nos momentos em que estamos mais fragilizados. Bioquímicos, farmacêuticos, químicos moleculares, epidemiologistas, microbiologistas, enfermeiros e médicos: confiar nos processos de criação de novas substâncias é confiar no trabalho de todos esses profissionais.

 

Ana Carolina Rodrigues

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